Governo aumentou outros impostos para compensar isenção do diesel, mas decisão precisa do aval do Congresso
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vem anunciando medidas que diminuem impostos para produtos específicos, como o óleo diesel e as bicicletas. As ações ameaçam reduzir a arrecadação do governo. Para equilibrar as contas, são necessárias compensações, com cobrança de mais tributos em outros setores.
Segundo especialistas, esse dinheiro pode fazer falta, já que o Executivo está mais endividado e a pandemia do novo coronavírus ainda exige gastos acima da média.
A lista mais recente de diminuição de impostos federais anunciada por Bolsonaro inclui quatro itens:
Diesel e gás de cozinha. O presidente editou um decreto zerando PIS e Cofins, dois impostos federais, sobre o diesel e o gás de cozinha. Para o diesel, a isenção vale por dois meses. No caso do gás de cozinha, a medida vale por tempo indeterminado. Só em 2021, segundo o governo, a medida custará R$ 3,67 bilhões. No caso do gás, serão mais R$ 922,06 milhões em 2022 e R$ 945,11 milhões em 2023. Para compensar, anunciou aumento de imposto para bancos e limitação da isenção para deficientes físicos que compram carros novos.
Bicicletas. Em março, o governo diminuiu o imposto para importação de bicicletas de 35% para 30%. Em julho, segundo o Ministério da Economia, o imposto deve cair mais, para 25%. Em dezembro, a alíquota passa para 20%.
Armas. Em dezembro de 2020, o governo decidiu que o imposto para a importação de revólveres e pistolas seria zerado a partir de janeiro, ao custo de R$ 230 milhões por ano. A decisão foi suspensa pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), e não está em vigor. O tema precisa ser analisado por todos os ministros do STF. O julgamento começou em fevereiro, mas acabou paralisado após um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso. Não há uma data para retomada da análise pela Corte.
Energia. O presidente também prometeu “meter o dedo” na energia elétrica, mas não há nada definido. Uma das possibilidades é que, para baixar o preço, o Executivo destine R$ 20 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (um fundo voltado a políticas relacionadas ao setor elétrico).
Ministério da Economia diz que houve compensação
No caso do diesel e do gás de cozinha, o governo editou, junto com o decreto que reduziu o imposto, uma Medida Provisória (MP) aumentando a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de bancos, alterando regras do Imposto sobre os Produtos Industrializados (IPI) para a compra de veículos por pessoas cm deficiência e encerrando o Regime Especial da Indústria Química (Reiq).
“Considerando que as medidas [de isenção] estão sendo compensadas, esse benefício não implicará diminuição da arrecadação total da União”, diz nota divulgada pelo Ministério da Economia.
Mas, como as medidas que aumentaram impostos foram feitas por medida provisória (MP), o tema precisa ser avaliado pelo Congresso antes de virar lei. Ou seja, não há garantia de que os tributos sejam de fato elevados após a validade da MP.
Ministério não detalha impactos
Questionado pelo UOL em relação aos outros casos de redução de impostos, o Ministério da Economia não detalhou qual deve ser o impacto financeiro das medidas.
Segundo o ministério, no caso das bicicletas e das armas, o governo não é obrigado, por lei, a realizar estimativas de impacto, já que são ações “destinadas a atender outros objetivos de políticas públicas e regulação econômica que não os de mera arrecadação de recursos financeiros”.
Em relação aos efeitos do subsídio à tarifa de energia elétrica no Orçamento, o ministério respondeu que não iria comentar porque a medida ainda está em estudo.
Governo abre mão de receitas mesmo com pouco dinheiro
O principal problema, segundo Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), é o fato de o governo estar abrindo mão de receitas sem prever outras medidas que compensem a perda de arrecadação ou, então, que diminuam despesas.
“[O valor que o governo vai deixar de receber] parece pouco, mas na verdade é significativo. A margem fiscal [a parte do Orçamento que o governo pode gastar livremente] é muito apertada e está cada vez menor.”
Felipe Salto, diretor da IFI.
Saúde das pessoas está sendo afetada, diz economista
Para André Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, essas medidas já “não fariam sentido” mesmo antes da pandemia, por conta da situação financeira do Executivo. Segundo ele, mesmo no caso do diesel, em que o governo previu uma compensação, a isenção deve provocar distorções.
Marques questiona, por exemplo, por que outros setores que também pedem redução de impostos não foram atendidos, e qual critério foi usado pelo governo para decidir mudar os tributos sobre bancos, veículos para pessoas com deficiência e a indústria química.
“O caixa está apertado, e o governo precisa de recursos para comprar vacinas, dar continuidade ao auxílio emergencial, financiar o SUS. Mas o presidente toma uma medida unilateral [a isenção do diesel], sem planejamento, de lampejo, para beneficiar uma parcela. Não estou falando que [os caminhoneiros] não mereçam, mas não faz sentido nenhum beneficiar uma classe em detrimento de outras. No limite, é a saúde das pessoas que está sendo afetada.
André Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper .
Segundo ele, não existe uma “bala de prata” que fará com que os problemas financeiros do país se resolvam de uma só vez.
“Todo recurso é importante. Será preciso uma soma de dezenas, talvez centenas de medidas para colocar as contas em dia. No sentido inverso, [cada uma dessas ações] corrói uma situação que já está extremamente deteriorada”, afirma Marques.
Para professor da FGV, ações podem ser positivas
Istvan Kasznar, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EBAPE), considera que medidas como a redução do imposto sobre bicicletas podem ser positivas, porque devem diminuir o preço das mercadorias para o consumidor em um momento de perda de renda e desemprego.
Mesmo assim, ele enfatiza a importância do planejamento dos gastos.
“As renúncias de receita precisam ser feitas com justificativa. Na minha opinião, são medidas corretas, mas o governo precisa fazer reduções de despesas para que o Orçamento se equilibre e não fique deficitário [com mais gastos do que receitas].
Istvan Kasznar, professor da FGV EBAPE
O Orçamento do governo federal para 2021 ainda está sendo discutido na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso. A previsão é de que o texto seja votado em março.
Fonte: economia.uol.com.br