Quando uma empresa resolve sair do Brasil, a primeira indicação anunciada para tal motivação é a carga tributária.
Claro que sabemos que o sistema é complexo e oneroso, isso não é novidade para ninguém, mas quando tratamos do setor automobilístico devemos considerar os inúmeros subsídios que foram concedidos pelo governo a este segmento, que se beneficia ao longo dos anos e em todas as esferas: federal, estadual e municipal.
Olhando o cenário atual, assim como a Ford, todas as fabricantes amargaram os efeitos da crise causada pela pandemia e foi unânime a condição de rever as estratégias para conseguirem superar o impacto, que retrocedeu o crescimento previsto no Brasil e deve voltar ao patamar de 2019 somente no final de 2022. Mas há luz no fim do túnel: segundo o IBGE, a produção industrial brasileira já aponta sinais de crescimento e, em se tratando da produção de automóveis, estamos 0,7% acima do período pré-pandemia, isso porque ainda há escassez de material, mas a demanda começa a voltar.
Se o cenário é igual para todas as fabricantes, qual foi então o motivo para a saída da Ford do Brasil? Ao que tudo indica, um conjunto de fatores culminaram para esta decisão, que já vinha sendo tomada há alguns anos. Perda de participação de mercado frente à concorrência, falta de investimentos em inovação, fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo, prejuízos bilionários desde 2013 e um passivo trabalhista gigantesco. São inúmeros fatores que acarretaram o fim da operação, mas não somente a carga tributária.
Com todos esses problemas à frente, somado a um custo Brasil altíssimo e um ambiente econômico incerto, além de uma reforma tributária que parece não ampliar os benefícios a essa indústria, assim como o fechamento da torneira pelo governo para os incentivos – afinal de contas apenas empregar não é o suficiente para receber tantas vantagens, veio a decisão: vamos fechar e partir para um país vizinho. E lá se foi a Ford incitar uma guerra fiscal não entre estados e município brasileiros, como é muito comum, mas sim em outro território. A Argentina, que sabemos estar numa situação bem mais escassa que o Brasil, de certo ofereceu condições favoráveis para geração de receita e emprego.
E para a Ford, basta exportar da Argentina para o Brasil a um custo baixo apoiado pelos benefícios do Mercosul. E a conta fecha. Fecha mesmo? Por aqui, desemprego direto e indireto, cidades que economicamente dependem dessas fábricas, que foram instaladas com benefícios concedidos por anos, e 103 anos de uma operação local. E com todo esse cenário, ainda fica a pergunta sobre os sindicados, aqueles que tinham tanta força em negociação. Eles também foram pegos de surpresa?
O resumo desta decisão, que segundo a montadora faz parte de uma estratégia global, é a de que após receber diversos subsídios por meio de incentivos fiscais no Brasil, agora chegou a vez da Argentina.
Giuliano K. Gioia e Inácio Nogueirol são especialistas fiscais na Sovos, pioneira em Digital Tax para o Compliance Fiscal das empresas.
Conteúdo original Sovos Brasil, publicado no ESTADÃO.