Corte estabelece que cobrança é válida a partir de abril de 2022, ainda que Constituição impeça novo tributo no mesmo ano em que foi instituído.
No dia 29 de novembro, por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ação que tratava da data da cobrança do Diferencial de Alíquotas (Difal) ICMS, decidindo que a oneração imposta aos negócios é válida em 2022. Quando a empresa vender a um consumidor final que resida em outro Estado, além de pagar o ICMS para o próprio Estado (origem), também terá que recolher um porcentual para o Estado de destino.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) defendeu, ao longo de vários meses, que a validade do encargo só deveria contar a partir de 2023, seguindo o que diz a Constituição — e a própria lei do Difal. O imposto, incontestavelmente, criou uma obrigação tributária. Dessa forma, precisaria se sujeitar à regra que veda a cobrança no mesmo ano em que lei instituidora foi publicada. Diante disso, o Difal não poderia ser exigido em 2022, mas o STF decidiu o contrário.
A tese vencedora na Corte partiu da premissa (equivocada) de que não houve aumento do tributo, mas apenas uma técnica de distribuição de receitas entre entes federativos, sem repercussão econômica tributária aos contribuintes. Acrescentou, ainda, que não houve alteração na incidência, tampouco base de cálculo da contribuição, apenas o fracionamento da receita do tributo.
No entendimento da FecomercioSP, diferentemente das discussões travadas pelos ministros, não houve apenas esse fracionamento da receita, mas também a alteração da base de cálculo do imposto (dupla), o que impediria a cobrança em 2022. Assim que o acórdão do julgamento do STF ocorrido for publicado, a FecomercioSP analisará a pertinência da oposição dos embargos de declaração (recurso), considerando a contradição da decisão.
Histórico
Em dezembro de 2021, o Congresso aprovou um projeto regulamentando a cobrança do Difal-ICMS. A proposta se transformou na Lei Complementar 190/2022. O problema é que essa lei foi publicada apenas em 5 de janeiro de 2022. Sendo assim, no entendimento da FecomercioSP, conforme alguns princípios tributários, o Difal-ICMS só poderia ser exigido a partir de 1º de janeiro de 2023. De forma simplificada, o Estado não pode majorar/criar um tributo e já cobrá-lo repentinamente — considerando o efeito severo que isso teria no planejamento financeiro dos contribuintes. Contudo, foi exatamente essa cobrança “fora da data” que alguns Estados se empenharam em manter no ano passado.
Após a lei ter sido publicada, o Judiciário teve de se envolver para resolver o conflito entre Estados e contribuintes. Os Estados buscaram exigir o imposto ainda em 2022, o que a própria Legislação impede. Obviamente isso foi contestado, inclusive pela FecomercioSP e mais um grupo de entidades. Para resumir, até o fim de 2022, a maioria dos ministros do STF estava decidindo pelo impedimento da cobrança ainda naquele ano, mas um pedido de destaque na Corte não apenas interrompeu o julgamento perto da conclusão, como também o fez recomeçar do zero. O tema voltou a debate no órgão neste ano, sendo concluído no fim de novembro.
Para entender melhor o tema e como isso te afeta, confira alguns esclarecimentos, a seguir.
O que é Difal?
O Difal-ICMS é a diferença entre a alíquota interestadual do ICMS e a alíquota interna do Estado para onde a mercadoria está sendo enviada (destino).
O porcentual a mais é recolhido pela empresa que vende e vale para vendas a consumidores finais que morem em outro Estado, desde que não sejam contribuintes do ICMS.
Por exemplo: com o Difal embutido na conta, se uma empresa de São Paulo vende um produto para algum consumidor final no Rio de Janeiro, terá que pagar:
- o ICMS para o Estado de onde o produto está saindo (nesse caso, será recolhida a alíquota interestadual válida para São Paulo, de 12%);
- o ICMS para o Estado de destino. No nosso exemplo, essa “segunda” alíquota será de 6%. Isso acontece porque a alíquota interna do ICMS no Rio é de 18%; então, os 6% do Difal são a diferença entre 12% (interestadual) e 18% (alíquota interna do Rio de Janeiro). No fim das contas, o comerciante pagará mais imposto.
Qual a diferença de cálculo do Difal antes e depois da LC 190?
A diferença principal é com relação a base de cálculo do imposto, que passou a ser dupla, com majoração de 7,33% do imposto devido.
Mantendo o exemplo citado anteriormente, vejamos a diferença de cálculo:
Antes da LC 190/2022
Valor da mercadoria sem ICMS – R$ 88,00
Valor da operação com ICMS (R$ 88,00 / 0,88) – R$ 100,00
Base de cálculo (origem e destino) – R$ 100,00
Alíquota interestadual (SP-PR) – 12%
Alíquota interna destino (PR) – 18%
Valor ICMS origem (SP) (R$ 100,00 x 12%) – R$ 12,00
Alíquota do Difal ICMS (PR) (18% – 12%) – 6%
Valor do Difal ICMS (PR) (R$ 100,00 x 6%) – R$ 6,00
TOTAL DO ICMS A PAGAR (R$ 12,00 + R$ 6,00) – R$ 18,00
Depois da LC 190/2022
Valor da mercadoria sem ICMS – R$ 88,00
Valor da operação com ICMS (R$ 88,00 / 0,88) – R$ 100,00
Base de cálculo (origem) – R$ 100,00
Alíquota interestadual (SP-PR) – 12%
Alíquota interna destino (PR) – 18%
Valor ICMS origem (SP) (R$ 100,00 x 12%) – R$ 12,00
Base de cálculo Difal ICMS (destino) (R$ 88,00 / 0,82) – R$ 107,32
Alíquota do Difal ICMS (PR) (18% – 12%) – 6%
Valor do Difal ICMS (PR) (R$ 107,32 x 18%) – (R$ 100 x 12%) – R$ 7,32
TOTAL DO ICMS A PAGAR (R$ 12,00 + R$ 7,32) – R$ 19,32
Por que o produto fica mais caro com o Difal?
Conforme mostra o exemplo mais acima, na prática, os empresários pagam a mais para mandar a mercadoria para o comprador final que mora em outro Estado. Como esse custo adicional entra na composição do preço, o consumidor será o grande afetado com mais imposto embutido no consumo — a arrecadação estadual é a única que ganha.